P.s.: ainda estou aprendendo a escrever crônica...
Ela conversava com o marido, os olhos cansados, a voz abatida, buscando força no seu tom de segurança. O celular toca, ela olha o número de chamada e de repente seu semblante muda. Ela é outra agora: mais séria, mais segura. Eu, ocupando uma cadeira do lado esquerdo do ônibus, há dez segundos atrás totalmente absorta em mim mesma, despertei como num estalido para aquela cena. O diálogo entre ela e a pessoa do outro lado da linha foi mais ou menos esse:
- “Num” se preocupe, a gente “tá resolveno” tudo.
-...
- É, ele “tá” aqui comigo.
-...
- Fique assim não, menina. A gente tem que ser forte. O importante é que ele foi feliz, teve uma família, amigos.
-...
- Certo. Três horas a gente chega “pro” enterro.
Desligou o telefone, voltou a olhar para o marido e sorriu. Um sorriso sofrido, com poucos dentes e pouca motivação. Ela vestia uma blusa vermelha surrada, uma calça encardida, e seu rosto trazia marcas que pareciam ter vindo muito antes do tempo. E minha curiosidade inevitavelmente me levou a imaginar como elas tinham ido parar ali, quais choros se escondiam por trás de cada uma delas. Mas agora ela parecia ter aprendido a engolir as lágrimas, a suplantá-las com suas palavras de quem quer seguir em frente, sussurradas ao marido. E era tentadora a ironia de ver como seu português, mal falado e trôpego, tinha algo que impressionava: essência. Ela não falava como uma pessoa qualquer, ela não sorria aquele sorriso sofrido como uma coitada qualquer. Ela parecia ter todo um jeito especial de sentir, de sofrer, de comover... de transmitir. E, em meio àquele ar pesaroso e cansado que a cobria, o que ela transmitia era uma forma inexplicável de conforto e alento, uma força secreta que jamais a deixaria vacilar a ponto de cair. E não tinha como não dar a ela, enquanto falava, total respeito e atenção. Acho que nunca fiz uma viagem de ônibus tão arrebatadora como aquela.
Chegou meu ponto, levantei da cadeira e desci. No caminho até em casa – e também depois que cheguei -, fiquei pensando naquela mulher do ônibus, naquela cena e naquela força. Pelo pouco que pude observar dela, a vida não lhe parecia muito sorridente e as coisas não lhe caíam com facilidade no colo, mas eram conquistadas com sacrifício. Mas ainda assim ela trazia aquele sorriso. Aquele sorriso cansado e animador. E como não pensar, depois de contemplar aqueles poucos dentes que sorriam, em como muitas vezes cruzamos os braços diante das dificuldades? Ou em quando simplesmente os levantamos para acusar ou murmurar? Não pude deixar de me sentir fraca, impotente e pequena diante de tanta força, que conseguia escapar daquela mulher com um simples sorrir. E aquele olhar? Aquele olhar tímido e intimidador queriam dizer que sempre há um motivo a mais, uma esperança e uma chance para nós mesmos. Que a vida vai muito além das coisas que se tocam, que você só pode entender realmente o choro de alguém se souber chorar todas as suas dores e verdades um dia. Me enxerguei estúpida. Me enxerguei mínima. Me enxerguei fútil. E passei a semana toda com a sensação de que ainda tenho que cruzar com muitos sorrisos cansados e muitos olhares intimidadores como aqueles para aprender a olhar tudo em volta de novo e valorizar meus próprios detalhes. Senti vontade de ser feliz, de sofrer, de redescobrir o mundo. E de me afogar em lágrimas, para depois ressurgir forte e imponente como aquela desconhecida do ônibus que, sem querer, me sorriu um novo jeito de ver as dores da vida.