terça-feira, 2 de junho de 2009

Ela pensa que é minha 'mulé'!

Mais uma crônica produzida para a disciplina de Oficina de Leitura e Escrita III(OLET)


Eu não tenho o menor talento e a menor pretensão a ser conselheira/psicóloga/terapeuta – amorosa, ainda mais quando são 6h da manhã e eu mal consegui acordar. Mas minha irmã não entende isso. Definitivamente, ela não entende isso. “Anne, lembra que te falei que Fulaninho me ligou ontem...? Pois é, menina...” E vai enchendo os meus ouvidos cansados com um monte de coisas que eu não tenho o mínimo interesse de saber. Eu não converso quando eu acordo. Eu não gosto de ouvir nada quando eu acordo. Mas minha irmã parece ter sempre milhares de assuntos para conversar. Meu Deus, me dê uma irmã nova! Ou muda. Pelo menos pela manhã. “Anne! Você ‘tá’ me ouvindo? Eu, hein! Você também é toda mal-humorada.” E como não acordar de mau-humor depois de um dia de cão e uma maldita sucessão de planos desfeitos, horários perdidos, calor de te fazer derreter, ônibus que nunca passam e tudo quanto você possa imaginar de coisas azarentas, que até parecem combinar data e hora pra acontecer?
Como se não bastasse meu secador que tinha quebrado, meu cabelo que estava uma crina, o problema de falta de água no prédio e minha terrível culpa por ter saído um pouquinho de nada da minha dieta e comido dois acarajés e uma tapioca no dia anterior, o “bonito” do motorista do ônibus simplesmente não parou no ponto e passou assim, direto mesmo, depois de eu ficar 27 eternos minutos esperando o ônibus passar. Problema dele se ele quer parar para o povo apressado que coloca a mão antes do ponto poder entrar, eu gosto de esperar sentadinha, bonitinha e ver ele dar a paradinha ali, no lugar certo: o ponto de ônibus! Dizer obrigada quando descer? Mas nem pensar! Ele não está me fazendo nenhum favor, não está me dando nenhuma carona e quebrando meu galho. Aliás, eu, assim como todo mundo, pago muito caro pela passagem. Ele que me olhe torto o quanto quiser. Não agradeço e ainda desço de nariz em pé. Cara feia pra mim é fome. Ai, e que fome que eu estava! Saí tão apressada de casa, que não tive tempo de comer nada. E que calor da desgrama era aquele? Eu tinha morrido, ido por inferno e ninguém me avisou?! Poxa! É dose! A gente sai toda cheirosinha de casa e quando chega no ponto de ônibus já está um caco, o cabelo todo assanho, toda suada. Ieca! E, pra completar, depois da eternidade que é para passar um ônibus, ele vem lotado de gente que simplesmente parece ter esquecido as regrinhas básicas de higiene e educação. É mulher com o cabelo molhado e grudento, uma mistura de água com Kolene, que deixa o cabelo uma cola e exala um odor insuportável, homem que coloca o sovaco bem na nossa cara e ainda vem dar aquela “bendita” encostadinha usando a desculpa da lotação do busão. E ainda tem aquelas senhoras que sempre saem com um guarda-chuva na mão, mesmo quando o mundo inteiro está derretendo e que simplesmente não entendem que não dá pra ir atropelando quem está na nossa frente só pra elas passarem. “Vai descer agora não, menina? Então dê licença, ‘né’, eu vou descer no próximo.” E vão empurrando a gente como se elas fossem as únicas incomodadas e loucas pra saírem do aperto e da sauna ambulante que é aquilo ali. “Desculpe, senhora, pode passar”. Arrumo educação não sei onde e jogo o corpo contra a pessoa que está do meu lado, sem deixar de pedir desculpas, é claro, ou é capaz de eu levar um tapa ali mesmo. Sem contar o risco de alguém que acordou com a macaca e está num dia pior que o meu resolver começar um barraco por um motivo qualquer. Mas ônibus lotado, calor de queimar os miolos e gente sem educação não é nada, mas nada mesmo, comparado à minha irmã.
“Poxa, Anne, você também é toda ruim! A gente mora só, você é minha única companhia, me dê atenção!” Atenção? Às 6:01h da manhã e com a cabeça latejando depois de enfrentar um dia como aquele? Porque meu sufoco pra pegar o busú foi só o começo. Ainda teve o seminário que eu tinha esquecido, a resenha de um filme que eu não assisti e não pude entregar, meu atraso e a inevitável falta na aula de Planejamento e Comunicação e o livro que eu não lembrei de pegar antes de sair de casa para devolver na faculdade. Conversar, e ainda sobre amor, definitivamente não era o que eu estava querendo para começar meu dia. “Ah, Keu, me deixe!” Levantei com muito esforço e dessa vez prestei bastante atenção antes de pisar no chão. Pé direito! Tenho que pisar primeiro com o pé direito! Hum... Como se isso adiantasse grande coisa. “Anne, eu preciso desabafar! Você não precisa falar nada, me dar nenhum conselho, é só ouvir!” Não, ela não ia mesmo me deixar em paz. “Tá, Keu, vá falando enquanto eu tomo banho.” Eu adorava usar esse truque do banho, porque eu nunca ouvia nada mesmo do que ela falava e ainda dava pra fazer uma moralzinha. “Porque eu não sei direito o que eu sinto por ele e...” A essa altura eu já não estava ouvindo mais nada e aquela água fria batendo no meu corpo parecia um santo remédio pra acabar com aquele cansaço, uma mistura de noite mal dormida com coração mal resolvido. Mas bastou eu desligar o chuveiro, pegar a toalha e tentar começar a me vestir, para um ar quente e pesado me atacar de novo: “Então, o que é que você acha?” “O que eu acho...? Mas você não tinha dito que eu não precisava falar nada?” “É, mas não era pra levar tão a sério”. “Ah, Keu, me deixe”. Fui me vestir e comer alguma coisa. Comer e, entre uma mastigada e outra, pensar na vida.
As pessoas são engraçadas, pra não dizer ridículas. Elas gostam de se sentir invadidas. Pra que ficar falando a Deus e o mundo dos seus sentimentos? Não dá pra guardar só pra você? Sei, por experiência própria, que o ser humano é um bicho em quem não se pode confiar. Pelo menos não 100%. Exemplo disso? Minha irmã. Sim, sempre ela. A “bonitinha” conseguiu me deixar traumatizada quando eu tinha apenas 10 anos de idade. Dez anos. Eu era tão bobinha. “Keu, eu gosto de Luiz Henrique”. Luiz Henrique era um menino da nossa sala que eu achava o máximo: alto, forte para a idade dele, cabelinho liso, engraçado. “É mesmo?” “É”. “Mas não conte para ninguém.” “Oxi, mã, pode confiar”. Confiar? Bastou eu dar um puxãozinho de nada no cabelo dela para ela gritar no meio da fila da escola que eu era afim do menino. Nem sei como não morri de vergonha. Me afoguei em lágrimas. Depois vem ela me pedindo desculpas e dizendo que a partir daquele momento eu poderia confiar cegamente nela, porque aquilo não se repetiria. Confiar? Nunca mais. Nem nela nem em ninguém. Aprendi que é muito melhor guardar para mim o que sinto ou deixo de sentir. Nada mais desagradável do que alguém que sabe de sua vida e fica te perguntando sobre algum caso amoroso quando tudo o que você mais quer é esquecer. E ouvir sobre amor sem sorte também é uma chatice, vamos combinar. Nessas horas eu sou uma péssima amiga, porque sou uma péssima ouvinte. E não faço questão nenhuma de me passar por boazinha. Eu não estou interessada no seu flerte da faculdade, no seu “peguete” do trabalho e, muito menos ainda, nas mensagens patéticas de tão românticas que seu namorado te envia todo santo dia. E o que eu tenho a ver se você está apaixonada por alguém que “tá cagando e andando pra você?”. Me desculpe, mas não dá pra ficar buscando pêlo em ovo. Não consigo ficar tentando dar esperanças de que ele gosta sim de você, só não sabe como demonstrar. “Não, ele não está nem aí pra você”. “Ai, Anne, você também é toda insensível”. Insensível não! Eu só não entendo porque ficar se iludindo. Se é pra sofrer, que sofra logo agora, porque depois a dor só aumenta. Dor de amor é fogo. Sim, é fogo. E eu sei muito bem disso, embora nunca tenha amado ninguém. Não tenho um amor para recordar, não durmo pensando num homem que julgo ser o certo pra viver comigo até o resto da minha vida nem nunca chorei por ser mal amada. Mas vi tantas vezes as minhas amigas passando por esse tipo de situação que acabei ficando até muito bem entendida no caso, pelo menos o lado negativo. Mais entendida do que eu gostaria, porque isso só me fez criar uma armadura contra o amor. Antes mesmo de pensar em me interessar por alguém, pondero centenas e centenas de vezes se vai valer mesmo à pena, se eu saberei conviver com os defeitos dele e se eu estarei pronta para uma possível desilusão. Não é que eu não queira amar. Eu até quero. Mas eu não sei correr riscos e me jogar com tudo. E acho que o amor precisa exatamente disso: de coragem pra dar a cara pra bater.
Nossa! É muita coisa para pensar num simples café da manhã. É muito cedo pra me encher de tanto desamor. E é mais cedo ainda pra ocupar minha cabeça com coisas que só fazem me aborrecer. Hoje eu quero começar o dia em paz. Em paz comigo mesma, com a vida, com as pessoas ao meu redor. Ou apenas com UMA pessoa, mas simplesmente não dá. “Anne, você deveria tentar ser um pouco mais sensível, abrir seu coração. Você é muito amargurada!”. Melhor respirar fundo, ser rápida, sair logo da mesa e pegar bastante distância da faca de serra, pra não arriscar começar o dia com violência. “Ah, Keu, me deixe!” Como uma pessoa pode tirar a gente do sério dessa maneira? Como ela não consegue perceber que todo mundo curte um pouquinho que seja de silêncio e sossego? Porque não, ela não me atormenta só pela manhã. Ela faz três turnos durante o dia. De tarde ela me acorda para contar casos da faculdade envolvendo pessoas que eu sequer conheço. “Anne”. Me futuca, puxa meu braço, balança minha perna. “Anneee!” “Que é?” “Menina, hoje eu dei risada demais com Cleópatra...” “Quem diabos é Cleópatra? Me deixe dormir!” “Aff! Seu cão!”. E ainda sai do quarto batendo a porta, como se eu não tivesse tido um dia tão cansativo quanto o dela na faculdade e não precisasse descansar pra de noite ir para o curso de Inglês. E é justamente depois do curso, quando eu resolvo me distrair um pouco na net ou estudar, que ela decide entrar em ação de novo. “Ai, meu Deus! Esse programa é muito engraçado!” E dá risadas altíssimas para chamar minha atenção. “Venha aqui, Anne! Só essa cena, venha ver!” E lá vou eu fazer meu papel de irmã de menina carente. “Hum... legal mesmo. Mas agora eu tenho que ir estudar.” E é como se ela nem escutasse meu discreto pedido de sossego. “Kkkkkkkkk! Não! Você precisa ver isso! Venha cá, Anne!” “Ah, Keu, me deixe!” “Aff! Você é toda estúpida!”. Estúpida não. Eu sei que não sou das melhores companhias, mas será que querer um minuto de paz para estudar ou só para perder tempo na net mesmo é pedir demais? Quando é hora de conversar, eu converso. Quando é hora de rir, eu rio. Mas também acho importantíssimo ter um tempo só comigo mesma. Mas minha irmã não entende isso. Definitivamente, ela não entende isso. Ela reclama da minha bagunça, da minha preguiça, do meu sono durante a tarde, da minha falta de interesse pelas coisas que diz, das minhas grosserias e da minha indisposição para conversar. Ela anda mal-humorada pela casa, me grita, me abraça, e sabe como me ganhar. Agora me diga: isso lá é uma irmã? Isso é uma esposa! E eu sou o marido oprimido. Oh vida! Oh vida!

3 comentários:

Ego. disse...

huahuaha...

Nossa, eu li seu texto rindo horrores!!!
Mas a Anne tá precisando de uma terapia, rs!!! E as relações são mesmo complicadas, mas essa vida só tem sentido compartilhada e seja do jeito que for! rsrs...

Parabéns eu adorei!

Anônimo disse...

Eu agradeci tanto a Deus por poder ler e imaginar exatamente as pessoas....eu ri demais!!
Parabéns!

Keuzinha Almeida disse...

Bom saber que sou a inspiração desse seu texto. FALO mesmo o tempo todo.

Eu amo você.